A nova Lei da Nacionalidade, aprovada recentemente no Parlamento, foi objeto de fiscalização preventiva por iniciativa de 50 Deputados, que suscitaram dúvidas de constitucionalidade sobre diversas normas do diploma.
O Tribunal Constitucional analisou o pedido e decidiu declarar a inconstitucionalidade de quatro disposições, por entender que violavam princípios fundamentais como a proporcionalidade, a clareza normativa e a proteção da confiança dos cidadãos. Outras três normas foram consideradas conformes à Constituição, ainda que nem todas isentas de complexidade jurídica.
Uma das normas invalidadas impedia o acesso à naturalização sempre que existisse uma condenação penal a pena de prisão igual ou superior a dois anos, mesmo que suspensa na sua execução. O Tribunal entendeu que esta solução violava a Constituição, por estabelecer uma consequência automática e indiferenciada, sem atender à natureza da infração ou às circunstâncias do caso concreto. O princípio da proporcionalidade impõe uma avaliação casuística, sobretudo quando está em causa a restrição de um direito tão fundamental como o acesso à nacionalidade.
Outra das normas consideradas inconstitucionais permitia ao Estado opor-se à atribuição da nacionalidade com base em "comportamentos que rejeitem a comunidade nacional". O Tribunal concluiu que a redação da norma era excessivamente vaga e indeterminada, o que compromete o princípio da segurança jurídica e abre a porta a arbitrariedade. A falta de densidade normativa nesta matéria coloca em risco direitos fundamentais como a liberdade de expressão e de convicção política.
Também foi rejeitada a norma que previa a perda da nacionalidade quando esta tivesse sido obtida de forma "manifestamente fraudulenta". Ainda que o objetivo legislativo fosse legítimo, o Tribunal considerou inconstitucional a expressão utilizada, por ausência de critérios objetivos que permitissem distinguir uma fraude comum de uma fraude manifesta, o que deixaria uma margem excessiva à interpretação da Administração.
Finalmente, o Tribunal chumbou a norma que, sob a aparência de ser interpretativa, procurava aplicar retroativamente uma nova regra aos processos de nacionalidade já pendentes.
A exigência de que todos os requisitos estivessem reunidos no momento do pedido, e não no momento da decisão, constituía uma inovação substancial e não meramente interpretativa. A sua aplicação retroativa foi considerada uma violação do princípio da proteção da confiança, na medida em que alterava as regras a meio do jogo, em prejuízo dos requerentes que submeteram os seus pedidos com base na lei então em vigor.
Por outro lado, o Tribunal não declarou a inconstitucionalidade de três outras normas.
Considerou-se admissível a exigência de residência legal para apátridas, apesar de reconhecer que a inexistência de um mecanismo legal para o reconhecimento desse estatuto em Portugal constitui uma omissão legislativa relevante.
Considerou-se ainda legítima a revogação da norma que permitia contabilizar o tempo de espera pela autorização de residência para efeitos de nacionalidade, entendendo que, sendo uma solução legislativa recente e excecional, não gerava uma expectativa consolidada.
Por fim, o Tribunal concluiu que a lei contém uma cláusula de transição suficiente, ao prever que os processos pendentes continuem a ser apreciados à luz da legislação anterior, não se impondo por isso um regime transitório mais amplo.
Nos termos da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade em sede de fiscalização preventiva impede a promulgação do diploma pelo Presidente da República. O texto legislativo regressará agora à Assembleia da República, que terá de rever as normas sindicadas antes de poder aprovar nova versão da lei.
Esta decisão reafirma a centralidade dos princípios constitucionais na produção legislativa e sublinha a importância do controlo preventivo como instrumento de garantia da proporcionalidade, da previsibilidade e da proteção dos direitos fundamentais no processo legislativo.
Equipa Nistal & Associados